CICLO
Double Bill


Este mês, para os duplos programas das tardes de sábado (dois filmes, uma sessão, um bilhete único), escolhemos, como é regra nesta rubrica, filmes que se complementam, dialogam ou contrastam, a nível formal ou temático. O primeiro programa reúne dois filmes de ilustres cineastas americanos contemporâneos, Gus Van Sant e Brian De Palma, que tecem variações sobre o cinema de Alfred Hitchcock, em filmes que suscitaram mal entendidos e rejeições. No segundo programa aproximamos filmes que têm muitas afinidades – um dos grandes clássicos do filme negro e um violento thriller de 1973 – realizados por dois cineastas que muita coisa aproxima, Robert Siodmak e Don Siegel. O terceiro reúne os dois cineastas e os dois sistemas de cinema mais diferentes que se possa imaginar (Cecil B. DeMille na Hollywood dos anos vinte e Luis Buñuel na Paris de 1968) à volta do tema da religião. Finalmente, no último sábado do mês, propomos um programa absolutamente contrastante: a alucinada versão buñueliana de O Monte dos Vendavais, em que o “amour fou” desemboca na morte e uma poética obra-prima do período mudo em que o amor assume a forma de uma pequena ressurreição.

 
07/05/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Psycho | Dressed to Kill
duração total da projeção: 201 min | M/16
 
14/05/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

The Killers | Charley Varrick
duração total da projeção: 214 min | M/12
21/05/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

The Ten Commandments | La Voie Lactée
duração total da projeção: 237 min | M/12
28/05/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Abismos de Pásion | Gunnar Hedes Saga
duração total da projeção: 152 min | M/12
07/05/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Psycho | Dressed to Kill
duração total da projeção: 201 min | M/16
entre a projeção dos dois filmes há um intervalo de 30 minutos

PSYCHO
Psico
de Gus Van Sant
com Vince Vaughn, Anne Heche, Julianne Moore
Estados Unidos, 1998 – 98 min / legendado eletronicamente em português
DRESSED TO KILL
Vestida para Matar
de Brian De Palma
com Michael Caine, Angie Dickinson, Nancy Allen, Keith Gordon
Estados Unidos, 1980 – 104 min / legendado em português

Ao fazer PSYCHO, Gus Van Sant precisou que não se tratava de um “remake” e sim de uma reprodução ou duplicação do original, algo como a cópia moderna de uma pintura clássica. Considerando o filme de Hitchcock como um palimpsesto, ao invés de refazer o argumento original, Gus Van Sant ilustrou uma outra proposta: refazer a mise en scène, a realização. A sucessão de planos é quase exatamente a mesma e um professor americano deu-se ao trabalho de contar 101 diferenças relativamente ao original, quase todas ínfimas, algumas substanciais. Seja como for, este filme ultracalculado é tudo menos um “remake” no sentido tradicional e como observou Armelle Leturcq “todos os objetos, cenários, roupas, parecem flutuar numa temporalidade que se estende por 40 anos, entre o original e o ‘remake’. Tudo flutua e ver este filme é fazer uma experiência de memória”. O cartaz original de DRESSED TO KILL diz: “Brian De Palma convida-o para um desfile da última moda – para os homicídios”. O ponto de partida do filme é o brutal homicídio de uma mulher de meia-idade por uma misteriosa loura, que sai em busca de uma prostituta que fora a única testemunha do crime. DRESSED TO KILL é um filme repleto de citações hitchcockianas, como a cena do duche de PSYCHO e a do museu de VERTIGO. O filme transpõe com muito talento o “ambiente” narrativo hitchcockiano, atualizando-o para o período da rodagem. DRESSED TO KILL foi pessimamente recebido pela crítica, mas defendido por um eminente conhecedor de Hitchcock, Jean Douchet, que declarou numa entrevista: “Fiquei intrigado com as críticas. De Palma é um cineasta apaixonante, pela sua maneira de trabalhar sobre um plano de Hitchcock, do mesmo modo que Hitchcock trabalhava sobre um plano de Lang. E De Palma sabe perfeitamente bem que a imagem não é mais virgem e nisso ele é um cineasta resolutamente moderno”.
 

14/05/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
The Killers | Charley Varrick
duração total da projeção: 214 min | M/12
entre a projeção dos dois filmes há um intervalo de 30 minutos

THE KILLERS
Assassinos
de Robert Siodmak
com Ava Gardner, Burt Lancaster, Edmond O’Brien
Estados Unidos, 1946 – 103 min / legendado em espanhol
CHARLEY VARRICK
Ferro em Brasa
de Don Siegel
com Walter Matthau, Joe Don Baker, Andy Robinson
Estados Unidos, 1973 – 111 min / legendado eletronicamente em português

THE KILLERS é um dos clássicos do filme negro, produzido quando o género estava no auge. Baseado no conto homónimo de Hemingway, marcou a estreia de Burt Lancaster, formando um par notável com Ava Gardner, que foi transformada em estrela por este filme. O filme começa com o assassinato do protagonista, um ex-lutador de boxe e a história desenrola-se em “flashback”, numa complexa teia de traições, no centro da qual está a clássica figura da mulher fatal e maléfica. A complexidade da trama, a narrativa em “flashback”, a fotografia a preto e branco, fortemente contrastada e com grande uso das sombras, a música de Miklos Rosza e a realização de Robert Siodmak criam a atmosfera inconfundível e irresistível dos grandes filmes negros. CHARLEY VARRICK é um thriller violento e extraordinariamente bem construído, que reata com as mitologias do cinema clássico, atualizando-as. Dois modestos bandidos fazem um bem sucedido assalto a um banco numa pequena cidade de uma região semidesértica do Nevada, sem saberem que o dinheiro roubado pertence à Máfia. Esta manda um assassino hercúleo e brutal no encalço da dupla. Walter Matthau está perfeito num papel um tanto diferente daqueles que costuma fazer e a realização de Don Siegel é um modelo de tensão e precisão. O “grand finale” é um combate espetacular entre Matthau e Joe Don Baker. CHARLEY VARRICK é uma primeira exibição na Cinemateca.
 

21/05/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
The Ten Commandments | La Voie Lactée
duração total da projeção: 237 min | M/12
THE TEN COMMANDMENTS é apresentado com acompanhamento ao piano por Daniel Schvetz

entre a projeção dos dois filmes há um intervalo de 30 minutos

THE TEN COMMANDMENTS
Os Dez Mandamentos
de Cecil B. DeMille
com Theodore Roberts, Richard Dix, Rod La Rocque, Leatrice Joy
Estados Unidos, 1923 – 136 min / mudo, intertítulos em inglês legendados eletronicamente em português
LA VOIE LACTÉE
A Via Láctea
de Luis Buñuel
com Pierre Clémenti, Paul Frankeur, Alain Cuny, Edith Scob, Michel Piccoli
França, 1969 – 101 min / legendado eletronicamente em português

A primeira versão de OS DEZ MANDAMENTOS de Cecil B DeMille (que poria fim à sua carreira com uma celebérrima nova versão, em 1956) é um filme absolutamente surpreendente. Mais de 60 anos antes do DECÁLOGO de Kieslowski, este filme interroga-se sobre como os dez mandamentos são seguidos no mundo moderno. A primeira parte é um peplum situado na era bíblica, que conta a história de Moisés. A segunda parte é uma história moderna situada em São Francisco, em que dois irmãos são rivais no amor pela mesma mulher. Como observou Manuel Cintra Ferreira, “OS DEZ MANDAMENTOS são um filme profundamente conservador por um lado e revolucionário por outro. Uma verdadeira obra-prima, hoje incontornável para se conhecer o cinema dos anos vinte”. O filme não é apresentado na Cinemateca desde 1991. LA VOIE LACTÉE é o mais abstrato e insólito filme do período final de Buñuel. Como num romance picaresco, dois vagabundos vão de Paris a Santiago de Compostela e têm diversos encontros durante o seu périplo. Algumas das pessoas que cruzam pertencem ao mundo presente (um padre louco, as alunas de um colégio católico, uma prostituta que quer ter um filho dos dois vagabundos), outras pertencem à literatura, à mitologia ou ao passado: Jesus Cristo, o Marquês de Sade (Buñuel já juntara os dois em 1930, em L’ÂGE D’OR), um jansenista que tem um duelo com um jesuíta e outros.
 

28/05/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Abismos de Pásion | Gunnar Hedes Saga
duração total da projeção: 152 min | M/12
“A CASA SOLARENGA” é apresentado com acompanhamento ao piano por Daniel Schvetz

entre a projeção dos dois filmes há um intervalo de 30 minutos

ABISMOS DE PASIÓN
O Monte dos Vendavais
de Luis Buñuel
com Jorge Mistral, Irasema Dilian, Lilia Prado, Ernesto Alonso
México, 1953 – 90 min / legendado eletronicamente em português
GUNNAR HEDES SAGA
“A Casa Solarenga”
de Mauritz Stiller
com Einar Hanson, Mary Johnson, Stima Berg
Suécia, 1922 – 62 min / mudo, intertítulos em sueco legendados em português

ABISMOS DE PASIÓN é, sem a menor dúvida, um dos pontos mais fortes do período mexicano de Buñuel. Guillermo Cabrera Infante disse deste filme que era “um mau Brontë, mas um bom Breton”, destacando a sua dimensão surrealista. Note-se que no título da versão buñueliana de WUTHERING HEIGHTS passamos do “monte” aos “abismos”, o que inverte todas as conotações. Apesar disso (ou por causa disso), esta adaptação do romance de Emily Brontë é fiel ao espírito da obra, acentuando a “possessão” de Heathcliff/Alejandro na siderante cena final no cemitério (a preferida de Buñuel), nec plus ultra do “amour fou” no cinema. O Monte dos Vendavais como nunca foi filmado (basta compará-lo com a académica versão de William Wyler ou com a anémica versão de Jacques Rivette). Baseado num romance de Selma Lagerlöf, cujo título literal é A História de Gunnar Hede (A CASA SOLARENGA é a transposição do título francês da obra, LE VIEUX MANOIR), este filme magnífico reúne as mais belas qualidades do grande mestre da mise en scène que foi Mauritz Stiller (que nos anos vinte Louis Delluc comparava ao poeta medieval Charles d’Orléans): personagens nitidamente individualizadas, perfeição do “timing”, utilização dos cenários naturais como personagens do drama, sentido plástico e “recusa da mediocridade”, segundo as palavras de Delluc. Neste filme, um rapaz de uma família endinheirada apaixona-se por uma acrobata de uma companhia ambulante, o que suscita a oposição da sua mãe. Ele perde a memória na sequência de um acidente (numa célebre sequência filmada numa floresta coberta de neve) e recupera-a, ao reencontrar a jovem, no que é uma sublime história de amor. Como observou um historiador, neste filme Stiller “soube reunir o burlesco, o documentário e o fantástico”.